segunda-feira, 31 de maio de 2010

[welcome to mozambique] as pontes




aqui falei disto, eu sei, mas vou falar outra vez, que regressar é a palavra de ordem.

Primeiro dia em Iapala, Nampula (Moçambique).

A Irmã Lurdes:
- Deves estar com vontade de começar a trabalhar, mas amanhã é dia de descanso e acho que deve ser bonito para ti ires à festa da Primeira Comunhão dos meninos da aldeia de Murralelo...

(Rica vida! Não há como chegar com dois dias de atraso, a um sábado e começar logo por descansar no domingo...)
– Ah, claro! Vai ser o meu curso rápido de inculturação... De qualquer maneira sem si para me orientar no hospital não faz sentido começar. E posso perfeitamente só começar na segunda-feira.

– Mas vai ser muito difícil ir de carro. Parece que a estrada está intransitável porque uma das pontes caiu com o temporal da semana passada. E tão cedo não vai ser reparada porque as pessoas estão todas muito ocupadas. Agora é o tempo de reconstruir as casas, que ficaram danificadas na estação das chuvas e é um trabalho muito duro.

– Mas todas as famílias estão a reconstruir as casas agora?

– Sim, todos os anos têm de reconstruir o telhado de capim e, de cinco em cinco anos, às vezes até menos, têm de construir uma nova casa, porque as paredes, como são feitas com tijolos de terra crua, ficam fragilizadas com as chuvas e as casas correm o risco de ruir.



– Quer dizer que nesta altura do ano não é possível empregar trabalhadores para as obras públicas?

– Como? Ah, não, as pontes não são obras públicas, que ideia... São os habitantes das aldeias que se organizam para as construir com bambus e troncos de árvore. Isto para eu e os padres podermos passar com os carros para irmos às celebrações, às campanhas de vacinação e para transportarmos doentes para o hospital.

– Só vocês é que passam por ali?

– Bem, às vezes ainda passam outros carros de comerciantes que vão comprar tabaco e algodão aos produtores.

– Mas são mesmo pontes artesanais? Só com troncos e bambu, mais nada?

– Sim, mas são bastante resistentes...

– Credo! Não podem ser assim tão resistentes, se uma caiu com uma trovoada da estação seca... Não tem medo de lá passar?

– Confesso que sim, sobretudo quando a ponte é nova ou quando o carro está muito carregado, nunca se sabe o que vai acontecer... Mas até agora nunca tivemos problemas. Há uma aldeia no fim da Missão onde não íamos nunca vacinar nem havia missa porque não tínhamos como lá chegar. Um dia recebemos um pedido do régulo para estendermos a campanha àquela aldeia, que eles haveriam de se encarregar de construir os acessos. O primeiro a ir lá foi o Padre, que na última ponte deixou o carro e foi a pé, carregado com os apetrechos todos da missa porque não teve coragem de passar na ponte com o carro. Estava a aldeia em peso a assistir e ficaram desconsolados porque tinha sido um esforço enorme para eles construir a ponte. Mas realmente aquela ponte assustava. É uma zona tão seca que nem os bambus chegam a crescer...

- Credo!

- No mês seguinte fui lá na campanha de vacinação, mas era impossível levar a arca das vacinas às costas e, sobretudo, assim não podia transportar os doentes para o hospital. Fiquei um bom bocado a pensar se havia de arriscar ou não, mas lá pensei “Que seja o que Deus quiser, é de certeza aqui e agora que Deus está comigo!” e lá passei, a ouvir os paus todos a estalar. Foi uma algazarra digna de se ver, toda a gente a fazer um alarido descomunal! O Padre não tinha passado, mas a Irmã tinha atravessado a ponte! Já era uma aldeia com Padres, Irmãs e Vacinas! Foi mesmo muito importante terem feito os acessos. Até já começámos a fazer uma escola comunitária!

– É impressionante!

– Mas às vezes as pontes de bambu são as que menos assustam. As de troncos é que metem mais impressão porque é preciso outra pessoa sair para nos ajudar a acertar as rodas sobre os troncos, porque senão as rodas podem cair nos intervalos e o carro fica encravado... Felizmente são raras...

– Ai, que isto vai de mal a pior! Acho que já não quero ir... A ponte que caiu era uma dessas?

– Era. Mas não te preocupes, que nunca nos aconteceu nada. Intimida, mas se tivermos cuidado corre bem.

– Como é que se chama a aldeia outra vez?

– Murralelo. O Sr. Padre já lá está e vai ter de dar uma volta grande para regressar, mas nós de carro não chegamos de certeza a tempo da missa... Só se não te importares de ir de comboio... Há uma estação por ali perto e podemos pedir ao maquinista que pare o mais perto possível da aldeia... Depois voltamos com o Sr. Padre.

– Claro que não me importo de ir de comboio. E também não me importo de voltar de comboio, se a Irmã depois tiver pressa de regressar.

– Não, não podemos voltar de comboio. Só há uma linha e um único comboio. Nalguns dias faz a viagem num sentido e nos outros dias regressa. Só que muitas vezes não é em dias certos porque há muitos atrasos quando o comboio fica retido por alguma razão, temos sempre de nos informar onde está o comboio e para onde vai quando queremos fazer uma viagem. Nunca é certo...

– Não acredito... Mas é fácil saber isso? Aqui a comunicação é tão difícil...

– Sim, é fácil porque a vida de metade das pessoas daqui gira em torno do comboio. Vais ver amanhã, até vai ser interessante para ti. É das informações que mais corre de boca em boca. Mas vamo-nos deitar que amanhã vamos ter um dia longo...

(continua...)

3 comentários:

  1. Que experiência de vida!
    Gosto muito de vir aqui saber como vai evoluindo a vida por essa terra linda.
    Boa sorte.
    xx

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  2. Muito obrigada! Eu não estou em Moçambique, vou recordando o que lá vivi, intercalado com a vida por cá... Mas espero regressar brevemente ao meu país do coração.
    **

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  3. Gosto tanto de te ler, acabei agora mesmo de recuperar o tempo perdido para voltar a esta delícia de post!
    (a modos que isto nem é um comentário de jeito, mas enfim)

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