terça-feira, 22 de junho de 2010

[as melhores do serviço de urgência] não há coincidências!

Há alguns anos atrás. Serviço de Urgência de Psiquiatria. Hospital de São Francisco Xavier, Lisboa.

Observamos uma senhora de seus 40-45 anos, jornalista, com uma perturbação esquizoafectiva*. A senhora fora enviada à urgência com uma carta do seu Psiquiatra assistente pedindo o internamento por considerar que a senhora estaria com uma depressão major, com características psicóticas. O meu tutor vai-lhe fazendo perguntas para avaliar a gravidade da doença.

Meu Tutor (MT) - O que é que a incomoda mais desde há umas semanas para cá?
Doente (extremamente lentificada) - Incomoda-me não ter energia para fazer nada... Não consigo sair à rua porque todas as pessoas me insultam com os olhos. E os homens agora conseguem ver-me nua se estiverem sentados [olhando para o meu tutor, sentado do outro lado da secretária, com um ar de asco desmedido] e o problema é que tenho uma esplanada na minha rua sempre cheia de homens.
MT (evitando olhar a doente de frente para ela não se sentir incomodada por estar nua, mas permanecendo sentado) - Mas... e em casa, consegue estar?
Doente (olhando ligeiramente para o lado, incomodada por ele o estar a ver nua) - Sim, em casa sim.
MT - E consegue, por exemplo, distrair-se a ver televisão?
Doente - Isso também é um problema... Custa-me que agora só falem de mim nas notícias e em todos os programas. Até na rádio... E já não consigo ir trabalhar porque deixei de ter privacidade... [fácies incrivelmente infeliz].
MT - Então?
Doente - Agora toda a gente sabe da minha vida. Assim que faço qualquer coisa, assim que penso sequer em fazer o que quer que seja, toda a gente fica imediatamente a saber... É horrível... Não posso pensar em nada...
MT (com ar de quem faz ideia daquilo por que ela está a passar) - Pois... faço ideia daquilo por que está a passar... Mas infelizmente não temos vagas por enquanto para ficar internada. Pode ainda demorar dois ou três dias, ou até uma semana. Até lá acho que deve ficar a tomar mais um medicamento para além dos que está a tomar agora... A senhora alguma vez tomou o Effexor**?
Doente (olhando-o de lado, como que a tentar perceber se ele a estaria a espiar para a ver nua disfarçadamente pelo cantinho do olho) - Não, acho que não...
MT (levantando-se, finalmente) - Effexor XR 75... Nunca tomou?
Doente (mais contente por ele se ter levantado, deixando de a conseguir ver nua) - Não, mas posso tomar. Acha que isso pode fazer com que eu deixe de transmitir os meus pensamentos a toda a gente?
MT - Acho que a poderia fazer sentir-se melhor.
Doente - Como é o nome do medicamento? Effexor?
MT - Effexor XR 75.

Nisto, batem à porta e entra um delegado de informação médica, com um sorriso de orelha a orelha, trazendo uma brochura que dizia em letras garrafais: Effexor XR 75.
- Era disto que precisava, Doutor?


*A perturbação esquizoafectiva é assim um mix entre a esquizofrenia, com as suas ideias bizarras e alucinações e a doença bipolar, com os seus períodos alternantes de depressão e euforia.

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