segunda-feira, 4 de outubro de 2010

[áfrica não é para todos] as pontes


Em Abril contei-vos este diálogo com a Irmã Lurdes antes de atravessar uma ponte de bambu no meio do mato, a caminho da campanha de vacinação:

- Mas, Irmã, nunca tem medo de atravessar estas pontes de jeep?
- Bem, medo sempre tenho, mas sei que Deus está connosco. [Assim como se dissesse "O meu pai é o dono disto tudo, sei muito bem que nada de mal nos pode acontecer."]
- É que isto assusta um bocadinho...
- Podes sair e passar a ponte a pé que eu não levo a mal.
- Não, Irmã, não vou fazer isso. Não a vou deixar... e também não me serve de nada ser a única pessoa a sobreviver aqui no meio de nenhures...

Pois é. Mal sabia eu que este ano o caminho para o Gilé tinha "problema di ponti". E um problema grave. Uma ponte absolutamente improvável. Imponderável. Para não passar por lá tínhamos de fazer um desvio de mais de 200 km em picada. Oito horas de caminho, portanto! Ou seja, se queríamos fazer o trabalho a que nos tínhamos proposto, o caminho era necessariamente aquela ponte. Só que desta vez nem mesmo a Irmã Lurdes, aventureira nata, acreditava que fosse possível:
- Esta ponte não foi feita para passarem carros. Eles passam mas arriscam-se a cair na água. [Assim como se dissesse: "África não é para todos. Deus é infalível, mas nós não somos..."]

Felizmente foi sempre a R. quem levou o carro, quem assumiu a ponte dentro do peito e a passou uma vez e outra e outra. Às vezes com o coração pequenino mas sempre com um sorriso nos lábios. E digo-vos, eu que estive sempre lá, no lugar do co-piloto, caladinha como nunca estou, aprendi que só há uma maneira de passar. E não, ninguém disse que era fácil:

Páre. Feche os olhos. Respire fundo. Abra os olhos. Espere que alguém vá para diante do carro para o ajudar a acertar as rodas com os troncos. Meta a tracção às quatro rodas. Isto se o carro tiver tracção. Se a tracção funcionar. Se souber como se mete a tracção. Se não puder meter a tracção não desespere. Sobretudo não desespere. Meta a primeira. Esqueça tudo o resto. Esqueça o pedal do travão, o pedal de embraiagem, o travão de mão, a marcha à retaguarda e as outras mudanças. Esqueça o resto do mundo. Mande sair quem acha que poderá dizer uma palavra que seja. Aconteça o que acontecer não perca a confiança. Em si, no carro e na própria ponte. É importante acreditar sempre que aquilo que está à sua frente é, de facto, uma ponte. Alguma confiança na Providência Divina ajuda sempre, mas isso também não é para todos... E pronto, já passou! Um dia de cada vez. Tente não pensar que amanhã vai ter de voltar pelo mesmo caminho. Em África amanhã não existe.

2 comentários:

  1. Pequenino, pequenino só quando viemos embora...

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  2. Bem, isso para quem aprendeu a fazer ponto de embraiagem bem e coisas do género, isso deveria ser facílimo! lol
    Fantástico o blog. Completamente deliciado! Que maravilha!
    Um grande beijo

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