terça-feira, 21 de dezembro de 2010

[vozes brancas* #33] momentos que ficam gravados a fogo

Durante uma consulta na semana passada, duas irmãs, uma de quatro anos e outra de sete, afadigavam-se em competição desenfreada para ver quem seria a primeira a conseguir pôr a cabeça da pediatra em água ou a levar dois berros da mãe. O que acontecesse primeiro seria certamente, naquele contexto, uma vitória pessoal... A princípio, como se o assunto que as trazia lá fosse sério, eu e a mãe ainda tentámos fazer-nos desentendidas. Os desacatos à ordem pública iam acontecendo de forma mais ou menos pacífica. Os risinhos dissimulados, o trepar pacato pela minha secretária acima, os desportos radicais em cima da marquesa e as tentativas de furto do estetoscópio directamente do meu pescoço iam acontecendo sem demasiado ruído ou agitação e nós lá íamos fingindo que aquilo não era nada connosco e que os cabelos que, lenta e progressivamente, se nos iam pondo em pé não eram nossos. Até que a mais nova, certamente mais pragmática ou com menos preserverança, resolveu que para grandes males grandes remédios e se lembrou de recorrer à arma que definitivamente nunca falhava para enfurecer a mãe: os palavrões. E vá de desatar num chorrilho tal, que se fosse dito por um adulto poderia ter feito corar um carroceiro.

[Bem, já tivemos algures esta conversa... já não existem carroceiros, eu sei. Uma vez até chegámos em conjunto à conclusão de que uma comparação mais adequada seria qualquer coisa como "um chorrilho de palavrões capaz de fazer corar um taxista pouco delicado que tivesse sofrido um AVC do lobo frontal", mas enfim, não seria fácil encontrar um taxista com essas características... sobretudo com aquele pormenor do AVC do lobo frontal... Mas pronto, se calhar arrematávamos por aqui, que já toda a gente percebeu a ideia e todos temos de ir trabalhar.]

E foi então que eu dei a minha gargalhada pedagógica (sim, eu acho que a melhor maneira de desarmar uma criança que diz palavrões é achar-lhe graça) e a mãe, ou por não partilhar da minha pedagogia ou por já ter os cabelos em pé, se enfureceu. Ficaram as duas princesas com cara de "desculpa-mãe-se-calhar-fomos-longe-demais-desculpa-desculpa-desculpa" e a mais velha resolveu tentar ver se ainda salvava a situação: pegou na mais nova pela mão, sentou-a na cadeirinha de brincar e disse-lhe com o ar mais grave que que os seus sete anos lhe permitiam:
- Sabes, as meninas que dizem palavrões, quando crescerem não vão ser pincesas... vão ser vacas e porcas!

Ah, o sentido certeiro de oportunidade... Quer-me parecer que esta família nunca mais vai ter de se preocupar com o assunto dos palavrões...

* Timbre da voz de uma criança antes da puberdade.

2 comentários:

  1. Lindo, lindo, lindo... Beijinhuz grandes nossos para ti. Agarrados a votos de um óptimo natal.

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  2. Um beijo enorme de boas festas para vocês também! Saudades...

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