sábado, 29 de janeiro de 2011

[olhares amadurecidos] de vidas que terminaram...

O leproso de Nehessine.
(Foto do R., Murrupula, Nampula)

Não me espanta haver doentes de lepra em Moçambique. Não me espanta a mim, que já diagnostiquei e tratei tantos... Não me espanta que existam mutilados, que bem sei que já levei tratamento aos confins do mato, no fim do mundo e vi, naqueles momentos, que se para muitos ainda cheguei a tempo, para outros tantos cheguei tarde demais. Mesmo que não tivessem deformidades ainda. Às vezes o estigma instala-se e cola-se à pele, mais visível que a própria doença, mais mutilante e corrosivo... Mas ainda que o tratamento venha ter à rua principal, o estigma é o maior inimigo da cura. De que serve o tratamento se depois não se puder voltar para casa? Para alguém se tratar tem de dar a cara com a certeza de não perder a face...

Por tudo isto não me espanta que existam doentes de lepra em Moçambique. A doença é lenta, mas a cura é mais longa ainda, o tratamento é raro, a ignorância um mundo sem fim e o estigma... esse é cruel e possessivo, esse enterra quem ainda tinha força e vontade de viver. Não me espanta a lepra. Espanta-me, sim, este olhar tranquilo e limpo, a céu aberto...

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