segunda-feira, 30 de abril de 2012

[iapala] nada é simples...

(continuando...)

Eram horas da missa e depois tínhamos de ir jantar. Não queria perder nem por nada a minha primeira missa em Iapala, onde as meninas dançariam mais uma vez, numa dança mais sóbria, mas ainda assim lindíssima, perfeitamente sincronizada e com cânticos de enfeitiçar o ouvido mais duro… Ao jantar desabafei com as irmãs sobre o sucedido no hospital. Não pareceram de todo surpreendidas. “Aqui nesta terra é sempre assim. A irmã Sarala esgota-se no hospital. Tem de se estar permanentemente em cima de tudo. Não sei como não morrem muito mais pessoas… Aqui é tudo por Deus!”
Mas como era possível?! 

– Aqui o povo não confia na medicina do hospital. Só vêm em último recurso, depois de terem ido ao curandeiro. E depois há muitas crenças e tabus que vão radicalmente contra aquilo que lhes é dito para fazer e também ninguém lhes explica as coisas da melhor maneira… – a irmã Lurdes transmitia-me o seu amor pelo povo, apaziguando a minha zanga com a calma da sua experiência.
– Mas a mãe parecia que não se importava! Nem para nós olhava…
– Se não se importasse não tinha vindo ao hospital. Olha que é um esforço muito grande para eles. As pessoas têm de arranjar mantimentos, pedir a vários familiares que os acompanhem, e deixar os outros filhos entregues à família. Eles são de onde?
– De uma aldeia a 20 quilómetros daqui. Não fixei o nome…
– Pois… ninguém se desloca 20 quilómetros a pé, com a família toda se não se importar com a criança doente. A Dona Ana é que deve ter falado com ela de forma muito malcriada, como sempre.
– Sim, é verdade.
– Quase todos os enfermeiros e serventes tratam muito mal as pessoas do povo, parece que têm gosto em humilhar as pessoas e não lhes explicam nada do que elas devem fazer. E para uma pessoa que já não confia no hospital, é muito difícil seguir uma recomendação dada naquele tom…
– Nem posso acreditar!
– Há excepções, claro, mas a maior parte são profissionais muito mal formados. E pouco competentes.
– Pois… por um lado achei que podia ser isso, mas a mãe também podia ter ido ter com o enfermeiro para pedir para lhe explicar como é que se dava o soro.
– Nem lhe deve ter ocorrido, coitada, ela nem sequer deve saber para que serve o soro… E depois se calhar tem medo de ser maltratada pelo enfermeiro, ou que ele lhe peça um suborno. Ela de certeza que não tem dinheiro…
– Credo!
– É assim, amiga. Nem todos os profissionais fazem isso. E, mesmo os que fazem, não fazem isso sempre, nem a qualquer pessoa. Mas a fama persegue-os…
– Isto parte o coração…
– É verdade! Temos recebido muito voluntários aqui na missão que vêm com algumas ideias românticas sobre o país, mas isto não é um mar de rosas. Há muita gente que se deprime e não aguenta o choque de ver tanto sofrimento e tanta indiferença…
– Não admira…
– Sim… África… não é para todos!
– Pois… não deve ser, não… Bem, é melhor voltar lá para ver como estão a correr as coisas.

 Voltei ao hospital, empunhando a minha lanterna. O casalinho de perus já tinha recolhido à intimidade do lar, e as luzes do hospital estavam desligadas àquela hora.
(continua...)

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